Lucas Lino's profile

A Casa Vermelha - Coletivo MALTA (Texto)

A casa vermelha: crônica de uma demolição anunciada
Projeto Coletivo MALTA - Mapa Alternativo das Artes
            O projeto do coletivo MALTA (Mapa Alternativo das Artes) consiste em realizar, no Rio de Janeiro, uma busca e mapeamento de locais, estruturas, eventos e até pessoas ligadas de alguma forma com a produção ou exposição de qualquer tipo de arte. Através da busca de variedade de locais para o projeto, surgiu a ideia de pesquisar e trabalhar arquiteturas mais incomuns, no sentido em que fossem antigas, preservadas e de alguma forma carregassem alguma história consigo. Dentro desta opção de trabalho surge a possibilidade de utilizar como objeto a afetuosamente apelidada “Casa Vermelha”.
            Localizado na Rua Visconde de Abaeté em Vila Isabel, o número quarenta e três, é uma casa construída no século dezenove, mas sem registros de uma data precisa. Está em um estado de preservação razoável e com pequenas modificações, feitas apenas para mantê-la em condições mínimas de habitação. Atualmente a casa já se encontra vendida. Sua estrutura será demolida e seu terreno dará lugar a um dos prédios do condomínio que já se ergue ao seu lado.
            O fato de ainda existir, de ainda permanecer de pé insistentemente, é apenas devido ao mero acaso de seus documentos não estarem prontos. No momento a casa é uma estrutura antiga e contrastante em sua rua. Uma única casa cercada de prédios em todas as direções.
            Esse tipo de acontecimento é o que pode ser chamado de “gentrificação”. Trata-se de um termo vindo do inglês que foi apropriado e significa, de forma resumida, o processo de uma reforma de um espaço público, privado ou residencial em um espaço de novos pontos comerciais ou para a construção de edifícios. Um tipo de processo que claramente gera alguma remodelação na vida e na dinâmica que esse local previamente possuía. A gentrificação é um processo tanto capaz de ser desempenhado por órgãos do governo buscando algum tipo de revitalização do ambiente quanto qualquer entidade privada e de interesses particulares.
            O propósito desse movimento é a busca de valorização para a alta classe, normalmente. A acessibilidade que tentam construir é completamente questionável. Apesar do histórico da cidade do Rio de Janeiro de realizar esse tipo de movimento, principalmente no centro, para “revitalizar” espaços públicos enquanto expulsa cidadãos menos favorecidos da sociedade para sabe-se lá onde, este caso não se trata de uma tomada do governo. Mas sim de um ato de uma empresa privada. Sendo assim, vê-se uma forma diferente do processo de gentrificação. Enquanto o governo por vezes expulsa pessoas, uma construtora como esta adquire territórios como o desta casa, que antes nunca habitaram mais de cinco pessoas ao mesmo tempo naquele espaço para agora vender cômodos apertados a diversas famílias. Fica claro agora que enquanto um expulsa e reivindica, o outro afunila. Tudo a favor da obtenção de valor e capital. Neste caso ainda, a casa possui um valor razoável, não apenas pela extensão de seu terreno, mas também por se localizar entre as duas principais ruas do bairro.
             É com a sua demolição iminente e irremediável que surgiu a proposta de registrar o espaço da Casa Vermelha, as histórias de seus habitantes, as de seus antepassados e em breve registrar o ato da demolição. Para chegar a tais práticas, partimos do estudo de um artista conhecido popularmente como Gordon Matta-Clark.
Gordon Matta-Clark foi um artista americano difícil de categorizar. Seus projetos por vezes envolviam os campos da escultura, intervenção, instalação e mesmo para seu desgosto, arquitetura. Entre suas obras mais reconhecidas estão trabalhos onde “recortava” pedaços de prédios assim fazendo buracos, como o “Building Cuts”, dividir uma casa ao meio em “Splitting” e comprar terrenos considerados inúteis por causa de sua extensão extraordinariamente pequena em “Realiry Property: Fake estates”, entre outros. Várias ações que questionavam o tipo de valor dado às propriedades e estruturas pelas pessoas. Todos eram trabalhos que não necessariamente durariam para sempre ou seriam realmente expostos, mas eram sempre registrados, principalmente com fotografias e montagens a partir delas.
             No entanto, o objetivo do projeto MALTA não é relacionado dessa forma com intervenções artísticas, então a estrutura da casa não será alterada, mas sim a percepção que se pode ter sobre ela. Gordon gosta de pensar os lugares de forma diferente do que é predominantemente pensado. E é a partir desse pensamento que veremos a casa e seu território, como um lugar imaginário, um lugar sentimental, um lugar de história. Trata-se de mostrar que tanto este local, como qualquer outro, é dotado de um teor sentimental para todos que passaram por ali. Uma questão muito presente nos trabalhos e ações do artista.
             A Casa Vermelha foi um ambiente de grande frequentação de familiares e amigos da segunda família a morar ali. Família esta que tinha um relacionamento bem próximo com as artes no século vinte. Hoje a casa é repleta de pinturas, esculturas, poesias e outros trabalhos produzidos pelos habitantes da casa naquela época, que eram os padrinhos dos atuais moradores.
             É uma casa que presenciou algumas grandes mudanças ao seu redor durante o passar dos anos. De casas, parques de diversões, quadras de futebol e agora prédios. Com os registros que estão sendo feitos da casa, seu entorno e da busca de arquivos dentro dela que contem sua história, pode-se trabalhar os pensamentos e ideias de Gordon e reconstruir a visão que há dela, ou construir uma nova.
             Sem este pensamento e este trabalho, a Casa Vermelha, que é um ambiente repleto de memórias, e como muitos outros está “escondido” aos olhos das pessoas que passam do outro lado do muro, ficará como esses muitos outros: um lugar estagnado, sem futuro, que apenas aguarda um ponto final em sua história com os dias contados. Fadado ao esquecimento.
Publicação Original aqui.
A Casa Vermelha - Coletivo MALTA (Texto)
Published:

A Casa Vermelha - Coletivo MALTA (Texto)

Texto produzido para o projeto de extensão Coletivo MALTA (Mapa Alternativo das Artes) da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) em 2016 Read More

Published:

Creative Fields